A sua cidade é uma só?

Para começar esta nova empreitada, escolhi falar de um filme muito aplaudido (de pé) e vencedor na 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Um filme que me fez refletir sobre a vivência na cidade a partir da periferia, da parte esquecida e, posso dizer, excluída da vida (e da vista) da cidade.

“A cidade é uma só?”, do cineasta da Ceilândia, Adirley Queirós, foi realizado para as comemorações dos 50 anos de Brasília. O filme mistura representações, algumas narrativas que me pareceram ficcionais e, principalmente, documentário. A discussão perpassa pelo mote da exclusão social e de território de parte da população de Brasília. A reflexão de “A cidade é uma só?” se inicia na Ceilândia, região do Distrito Federal em que foram “jogadas” as famílias que moravam em vilas nos arredores de Brasília na década de 70. Pelos caminhos de três personagens, todos relacionados à Ceilândia - um cômico candidato a deputado distrital, uma moradora que discute a cidade em forma de música e um vendedor/comprador de loteamentos – o filme aborda as vivências, dificuldades, experiências e, principalmente, as mudanças na cidade sentidas pelos personagens.   
 
Muito divertido, apesar de seu tema central tão fundamentado no sofrimento e na dificuldade, este filme trata do remanejamento e do que fazer com as pessoas que chegam a uma cidade planejada para não recebê-las. Em Brasília, elas foram despejadas na periferia pela Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), em 1971, em áreas sem nenhuma infraestrutura (coisa que foi prometida pelo governo da época). Em Brasília, estas pessoas foram responsáveis pela construção da cidade do poder político nacional. Como dito e discutido pelo próprio Adirley Queirós ”(...) onde vai morar a massa de operários que trabalha na construção civil e os migrantes que não param de chegar? Esses habitantes indesejáveis pelas autoridades logo são taxados de invasores, termo pejorativo que, aqui, foi assimilado em substituição ao igualmente pejorativo “favelado”. (...) Brasília começa a sua história tornando invisíveis aqueles que a construíram”. 
 
Mas o que mais me chamou a atenção no filme foram as semelhanças que percebi entre Brasília e outras cidades do nosso país. Onde estão as pessoas responsáveis pela construção das cidades? Não estou falando só de operários que trabalharam para colocar de pé uma cidade planejada e sim dos operários cotidianos, aqueles que precisam do ônibus que só vem lotado e do metrô que não atende a todos, aqueles que ficam mais tempo no trânsito do que em casa com os filhos, aqueles que vivem com pouco, muitas vezes em barracos humildes à beira de barrancos.  Se pararmos para pensar, o modelo de “erradicação da pobreza na bela vista de nossa cidade” pode ser visto em BH, no Rio de Janeiro, em Salvador... e não só em Brasília.
 
O filme de Adirley Queiróz é uma narrativa fantástica da experiência na cidade de Brasília, mas ainda acho que o questionamento “A cidade é uma só?” se encaixa não só na minha experiência de cidade, mas na de todas as pessoas. Afinal de contas, a sua cidade é uma só?
 
A cidade é uma só?
Documentário | HD | 2011 | 52 minutos (TV), 73 minutos (cinemas)
- Prêmio da Crítica na Mostra de Tiradentes (2012)
- Menção Honrosa na Semana dos Realizadores (2011)
Direção e roteiro: Adirley Queirós
Produção: Adirley Queirós, André Carvalheira
Direção de fotografia: Leonardo Feliciano
Montagem: Marcius Barbieri
 


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